FML2002

O blog dos Quartanistas da Faculdade de Medicina de Lisboa

domingo, junho 12, 2005

A ética e o presidente

Bem sei que o tempo não é propício a grandes leituras extra-faculdade mas, nem que seja como sugestão antecipada de leitura de verão, não posso deixar de vos falar aqui de um livro que foi editado no mês passado e que achei particularmente interessante.

Chama-se o Presidente do Bem e do Mal e foi escrito por Peter Singer, filósofo australiano especialista em bioética e que ficou conhecido por livros como Ética Prática e, principalmente, Libertação Animal.

Apresento-vos alguns excertos do livro, para que fiquem com uma ideia mais clara do que se trata:

George W. Bush não só é o presidente da América como também o seu mais importante moralista. Não há memória de outro presidente ter falado tão frequentemente sobre bem e mal, correcto e incorrecto. O seu discurso de tomada de posse constituiu um apelo à construção de "uma só nação de justiça e oportunidades". Um ano mais tarde, como se sabe, declarou que a Coreia do Norte, o Irão e o Iraque formavam um "eixo do mal", e, em contraste, chamou aos Estados Unidos, "um país com moralidade". Defende a sua política fiscal em termos morais, dizendo que é justa e devolve aos contribuintes aquilo que legitimamente lhes pertence. Defende o comércio livre com uma argumentação "não apenas económica, mas também moral".

Ao apresentar a "Doutrina de Bush", que defende os ataques ditos preventivos àqueles que poderão ameaçar a América com armas de destruição maciça, declarou: "A verdade moral é a mesma em todas as culturas, em todos os tempos e em todos os locais". Mas em que verdades morais acredita o presidente? Considerando o que o presidente afirma sobre ética, surpreende que não exista maior discussão séria sobre a filosofia moral de George W. Bush.

Comecei a seguir com maior interesse todas as questões que ele via em termos morais. Perguntei a mim próprio: até que ponto o presidente tem uma filosofia moral coerente? Haverá uma perspectiva moral clara por detrás das opiniões particulares que expressa? Em caso afirmativo, qual é?

O presente livro expõe a ética de George W. Bush tal como esta é apresentada nos seus discursos, escritos e outros comentários, assim como nas decisões que tomou enquanto presidente eleito. Não se tenta realizar a tarefa impossível de abranger tudo o que ele disse e fez, e nem mesmo todas as questões importantes da sua presidência, mas, ao invés, opta-se por uma concentração nas questões que revelam de forma mais premente princípios éticos fundamentais e, portanto, as opiniões do presidente sobre o bem e o mal.

Uma vez esclarecidos sobre a natureza da ética de Bush, coloca-se a questão: qual é a sua solidez? Ou, pelo menos, a questão coloca-se a qualquer pessoa que pense existir um papel a ser desempenhado pela razão e pela argumentação na ética.


Bom, resta dizer que o livro está escrito de forma extraordinariamente clara e, ao contrário do que possam à partida pensar, por se tratar de um filósofo, não é uma análise nada chata. Aliás, nem podia ser, tratando-se de análise de discursos do tio Bush, que se contradiz a cada nova tirada, mantendo sempre aquele ar jovial e bem disposto tão característico. Bem, isso torna a coisa preocupante, eu sei, mas a isso já nos deviamos todos ter habituado...